Os filtros irritam-me. Resolvem muita coisa, mas implicam uma atitude conformista que me parece filosoficamente errada. Eu comparo o uso de filtros contra spam com a situação em que um gajo tem uma janela à qual passam a vida a atirar pedradas, e ele reage pondo tábuas na janela para a proteger. Não gosto do conceito. Era muito mais interessante ir para a janela atirar pedradas de volta. Ou seja, ripostar de alguma forma. Claro que há montes de problemas com as formas básicas de ripostanço... a começar pelo risco de atingir inocentes. Mas não é preciso limitarmos a nossa imaginação na busca de formas de ripostar. O objectivo de ripostar é infligir algum dano aos spammers. Então não devemos procurar meramente formas de ripostar directamente, mas antes formas de infligir dano a quem nos faz mal. Isto tem todo o aspecto de operações de guerrilha e contra-guerrilha. A cobertura legal é completamente inoperante, e de facto estamos entregues a nós próprios -- como de resto constata toda a gente que aplica filtros acarretando, claro está, com os custos associados, sem qualquer forma de ver os causadores do dano a serem legalmente forçados a pagar pelo estrago causado. Então como ripostar? Uma ideia que me ocorreu inspira-se no estudo de viabilidade económica do spam. O spam existe por duas razões: Primeiro, porque há quem acredite que dá lucro e decide experimentar. Depois, porque há quem constate que dá lucro e decida continuar. Os primeiros, os experimentadores, são incentivados pela sua curiosidade e porque, olhando à volta, veêm spam em todo o lado, o que os faz pensar que a coisa rende (senão não havia tanto). Isto gera um efeito de realimentação positiva bastante nefasto, que talvez possa ser reduzido se os que estão no segundo grupo (os que já sabem que dá lucro) passarem a lucrar menos. Como reduzir o lucro da actividade do spammer? Em certos casos especiais, podem ser tomadas medidas que prejudicam activamente o negócio do spammer. Por exemplo, se o objectivo do spammer é vender um produto online, podem ser feitas encomendas falsas desse produto. Isso aumenta a despesa do spammer com gestão de encomendas, com devoluções, com portes e despesas nunca cobradas, etc.. No entanto este tipo de acção é, no mínimo, é pouco ético, e talvez seja mesmo ilegal. No entanto, as leis de protecção dos consumidores são normalmente muito liberais para com os consumidores e muito restritivas para com os comerciantes, pelo que existe a possibilidade de poderem ser exploradas selvaticamente para atacar o comércio -- e claro que o comércio efectivamente atacado é o comércio que gera mais antipatias, ou seja, o dos spammers. Mas a coisa que mais me incomoda na ideia de encomendas falsas é a guerra comercial: Fazer encomendas falsas fomentaria a prática de spam por empresas concorrentes em nome da vítima: O comerciante X, querendo prejudicar o seu concorrente Y, distribuiria spam em nome do Y e ficaria a assistir a uma enxurrada de encomendas falsas abatendo-se sobre o seu concorrente... Claro que também é válida a prespectiva de "resolver um problema de cada vez", e que talvez não valha a pena ficar inerte a apanhar porrada com medo duma situação problemática que pode vir a acontecer -- pois o mais certo até é que os problemas futuros venham de direcções inesperadas e a verdadeira prioridade é, sempre, atacar o problema *presente*. Nos casos mais gerais, o objectivo do spammer não é tão fácil de contrariar. Por exemplo, o seu objectivo pode ser somente o de se tornar conhecido. Acho que a verdadeira grande solução para derrotar os objectivos do spammer é proceder de forma a que a sua mensagem atinja o menor número possível de pessoas. Trata-se, de facto, de contrariar a própria natureza do spam: Se o bulk email chegar a pouca gente, deixa de ser bulk! Pelo menos, na sua eficácia. A ideia que eu gostava de desenvolver é a seguinte: As listas de endereços de email que servem de base ao spamming devem ser poluídas com tantos endereços fictícios quandos for possível. Se isto for feito, consegue-se reduzir em muito a eficácia do spam, o seu retorno enconómico, e atiram-se vários projectos baseados em spam para o lado da barreira económica que diz "inviável". O spammer tem na mão uma base de dados com N endereços. Se todos forem válidos, a sua taxa de resposta será X; se apenas um por cento forem válidos, a sua taxa de resposta será Y=X/100. A quantidade de dinheiro que ele consegue retirar da sua actividade é directamente afectada pela densidade de emails falsos que ele tiver na sua base de dados. Como poluir as bases de dados dos spammers? Uma tentativa seria gerar cem endereços de email fictícios por cada endereço de email legítimo. Claro que os spammers têm maneira de, por um lado, limpar das suas bases de dados os endereços correspondentes a emails devolvidos, e por outro validar os endereços lidos, por exemplo através da análise do download de imagens. Portanto, os endereços de email fictícios devem ser verdadeiros do ponto de vista do spammer: Os emails enviados para esses endereços não devem ser devolvidos, e devem gerar hits e downloads de imagens ou do que for, tal como se os emails fossem efectivamente abertos e lidos por humanos. Obviamente, esta tarefa teria que ser levada a cabo pelos serviços que fornecem endereços de email. A consequência para os spammers seria bastante nefasta: Uma redução drástica da eficácia das suas bases de dados de endereços. Mas quais as consequências para os fornecedores de endereços de email? Esses teriam que 1) instalar e manter o serviço, 2) multiplicar por cem os endereços por eles fornecidos, e 3) lidar com todo o tráfego de spam encaminhado para os endereços fictícios. Estou convencido de que estas tarefas têm menos custos do que parece. Talvez o tráfego não aumentasse muito, devido ao acumular de dois efeitos: Por um lado, uma parte do aumento seria de mensagens iguais destinadas a utilizadores no mesmo server, e portanto de mensagens que apenas são desmultiplicadas após a recepção no referido server (tarefa que evidentemente não seria feita para os endereços fictícios). Por outro, caso a prática fosse implementada de forma generalizada, o aumento efectivo de tráfego seria determinado, não pelo número de endereços de email mantidos no server, mas pela capacidade dos spammers de fazerem as suas bases de dados crescerem para acompanhar a explosão de endereços fictícios -- e de as usar integralmente para espalhar o seu spam. Dizendo doutra forma: Estatisticamente, o server que tiver a fracção X do total de endereços de email da Internet, há-de receber a fracção X (a mesma) de tráfego de spam que circula na Internet. Se o número de caixas de correio da Internet crescer explosivamnte, o tráfego de spam que circula na Internet não será determinado pelo número de caixas de correio, mas há-de saturar num patamar determinado pela capacidade do spammer enviar emails. Claro que esta prática não vai ser aplicada generalizadamente por todos os fornecedores de caixas de correio. É aqui que Darwin entra duma forma surpreendente: Suponhamos que a coisa é aplicada por apenas um fornecedor de grande dimensão -- por exemplo, o hotmail. Como o hotmail não é uma coisa pequena, vai-se espalhar rapidamente entre os gestores das bases de dados de endereços de spam a notícia de que os emails enviados para o hotmail têm cem vezes menos eficácia do que a média da Internet (pois apenas um em cem é verdadeiro e não há como o harvester saber quais são os falsos). Então, a opção economicamente racional para o spammer é... aumentar a eficiência do seu mailing eliminando *todos* os endereços do hotmail! Um dos critérios de limpeza da base de dados do spammer passa a ser "se é hotmail, limpa-se". Escusado será dizer que isto é uma brutal vitória para os utilizadores legítimos do hotmail. Em resumo, julgo que há argumentos fortes a favor da eficácia da prática de criação de caixas de correio fictícias como forma de controlar o spam -- quer a prática seja generalizada, quer seja implementada por poucas entidades -- sendo neste último caso conveniente que as entidades que implementam a prática publicitem a sua iniciativa, a fim de persuadir os spammers a, no seu próprio interesse, remover das suas bases de dados todas as suas caixas de correio. Peço desculpa pelo tamanho da mensagem, mas não tive tempo para escrever menos... |